No passado mês de novembro, a propósito do início das comemorações do centenário de José Saramago, partilhamos aqui a leitura da "Carta para Josefa, minha avó". E, entre outras, foi lançada uma proposta aos alunos do Clube de Leitura e Escrita da ESRT: escrever uma carta à maneira do autor.
Aqui estão quatro belíssimos resultados.
Carta para a minha avó Adelaide
Tens 74 anos, mas és jovem. Jovem em espírito, em mente e em palavra. Fazes sorrir e chorar com as letras que saem dos teus lábios carnudos. Lábios que beijaram a minha testa quando ardia, mãos que me abraçavam quando dormia, e um coração que envolvia o meu corpo numa aura de amor.
Nos teus olhos situa-se a mais bela luz que já vi, despertada por entre um turbilhão de vidas. É verde dos prados que lavraste, com o suor a escorrer do teu pescoço; saco de batata em guiso de casaco para te proteger da chuva. É dourado do sol que queimou a tua pele enquanto o rebanho, guiado pela tua voz, corria pelos prados, alheio à matança que os esperava. É castanho, dos hematomas da tua pele provocados pelo teu pai que, embebedado, te açoitava. É carmim, do clamor da tua voz que, ainda miúda, gritava “Acudam! Acudam!” a quem ousasse ouvir, enquanto a tua pobre mãe sofria no cubículo que partilhavas com mais sete dos teus. É branca, de quando te escapaste da prisão do teu seio, rumo à liberdade do desconhecido. É azul, da primeira vez que contemplaste o mar, já em idade adulta, fascínio que irradiava dos teus poros.
Nos teus olhos situam-se vidas que cabem numa, e uma que cabe em muitas. Situa-se o teu sofrimento, a tua bravura, o teu amor, a tua paixão. Desilusões até mais não e amores sem fim. Pedra num coração envolto em seda de marfim.
Agora, sentada em sofás de veludo, depois de uma vida de lutas intermináveis, fugindo de homens que te enfraqueceram, com um só a teu lado - aquele que te amou - contas-me histórias da tua juventude, uma que vejo como um conto de fadas que teve um «Era uma vez» triste, mas cujo livro terminou com «viveram para sempre» feliz.
Sara Costa, 10º Q
Carta para Cleudes, minha avó
Cara avó, já é idosa. Nunca sei vossa verdadeira idade, para mim parou nos 65, me recusando a acreditar que envelheceu. Estamos separadas por um oceano de distância, percorrendo infinitas águas, mas me sinto tão próxima quanto algum dia já fui. Lembro-me da senhora tão alegre que regozija minha alma, quando acorda todos os dias às 5 da matina para alimentar suas crias, quando vai até ao rádio às 8 horas para rezar sua missa e orar por todos os seus. Seus cabelos grisalhos e raros, presos em um “diadema”, suas mãos calejadas da vida, mas tão firmes quanto um machado e suaves como uma flor.
Sua inteligência tão vasta, mas ao mesmo tempo pequena, conhece sobre remédios, natureza, animais, recita cantigas e histórias, conhece de felicidade e de amor. Sabe cozinhar tão bem! Conhece todos os temperos do mundo, mas não entende de política e economia, não sabe ler. Ciências, física, química não existem para si; filosofia, sociologia e religião são as que criou para si própria, mas mesmo com tudo isso continua sendo a mulher mais fascinante e incrível do mundo. E o que será a inteligência sem a humanidade dentro dela?
Já vê o mundo há mais tempo que nós, e mesmo com toda a sua maldade e crueldade ainda se entristece quando acontece uma catástrofe, quando alguém morre ou quando alguém rouba. Não se deixa abater pela desumanidade à sua volta e permanece sempre rindo e contando suas piadas. Seus olhos são divertidos e sinceros, e, com toda minha humilde sinceridade, não compreendo como uma mulher com todo o passado de luta em uma vida consegue ser tão leve como uma brisa. Lembro-me claramente de todas as vezes que vai para a rua e volta com balas de café. O mundo aos seus olhos parece tão descomplicado e elegante! Às vezes me pergunto se é sempre assim, se por dentro a senhora não sente todo o peso de uma vida a cansando, se não tem um súbito desejo de largar tudo e explorar o mundo como uma aventura que sempre faz parecer. Desde que nasci, anda sempre em uma única vida, acordando, comendo, cuidando dos filhos e netos que moram consigo e coscuvilhando na cadeira em frente sua casa sobre a vizinhança. E o mais impressionante em tudo é que mesmo com a monotonia faz parecer que todo dia é um dia diferente e magnífico, que as coisas tão banais são sumptuosas, então realmente me pergunto se é assim que encara a vida, ou se na verdade tenta disfarçar tantas batalhas vividas.
De qualquer forma, lembro-me de suas histórias, da comida que sua mãe fazia, das vezes que carregou oito descendentes em sua barriga, da dor que deve ter sentido quando perdeu um de seus filhos, da forma que se tornou mãe de mais sete do “seu bem”, criando então catorze filhos lindos e saudáveis. Lembro-me da manga que meu avô lhe deu quando estava grávida, lembro de sua comida, de seu feijão que nem o melhor chefe do mundo consegue superar, das noites em que assiste suas novelas e xinga todos os atores.
Leva uma vida simples, mas regada de um encanto que não compreendo. Me alegro ao saber que seus netos carregarão todas as suas lembranças, assim como eu e oro a Deus todas as noites para que possamos ter mais momentos com a senhora, antes de nossas vidas se tornarem tristes e densas, quando finalmente percebermos que o mundo não é tão fantástico quanto faz parecer. E, sendo franca, temo por isso, quando por fim acontecer.
Yasmin Méndez Monjardim, 12ºG
Uma Carta para a minha avó Alda
Querida Avó,
Já tens 77 anos, mas
és uma pessoa trabalhadora e atenciosa, já viveste de tudo na tua vida e
estás sempre a contar histórias do teu passado deslumbrante.
Acordas todos os dias
às sete da manhã para cuidar da tua horta, da tua pequena casa e dos teus
animais. Sempre foste bastante atenciosa com as tuas vacas,
galinhas e porcos, nunca os deixaste passar necessidade, sempre cuidaste
muito bem deles.
Coser e cozinhar
foram as tuas paixões desde sempre. Cozinhas mesmo muito bem e
os doces que fazes são impecáveis. Nunca deixaste alguém passar fome com
as tuas farturas. Já a coser também és impecável. Quando eu rasgava alguma
peça de roupa, remendavas e ficava como nova; quando eu tinha frio,
tu fazias-me umas meias de croché super quentinhas e aconchegantes.
Tens um problema na
coluna e na perna, que às vezes te dificultam na realização
de algumas tarefas, mas nunca desistes de as fazer, porque és uma
pessoa bastante persistente e motivada e nunca te abalas quando não consegues fazer
algo.
Tu é uma das minhas maiores inspirações, pois a tua
persistência e perfeição são as tuas características mais deslumbrantes, e
agradeço por estares ao meu lado até aos dias de hoje. Nunca me
imaginaria sem ti.
Adoro-te Avó.
Inês Gomes, 7ºB
Carta para a minha avó Leonilda
Leonilda. Um
nome que me remete para a palavra carinho. A tua madrinha escolheu-o de um
romance que estava a ler na época, e com ele ficaste. Realmente, o gosto pela
leitura sempre esteve enraizado na nossa família. A minha mãe mostra-me alguns
livros antigos teus e adoro passar as mãos pelas suas lombadas volumosas e desgastadas,
ler as dedicatórias e todas as marcas que neles deixaste.
Tens quase nove
décadas. Nove décadas de trabalho árduo e de amor. Os teus olhos são verdes,
temos isso em comum, mas de quem os herdaste não vem nada de bom. A tua pele é
branca, enrugada pelo tempo e suave ao toque. As tuas mãos, igualmente
enrugadas, estão sempre frias, mas não me importo, pois posso sempre
aquecê-las.
Perdeste o teu
pai aos 5 anos, uma idade cruel para perder uma figura tão querida e
importante, mas tens memórias dele, ao contrário das tuas irmãs mais novas. Com
apenas uma mãe para vos sustentar, foram divididas. Tu foste para um orfanato,
a tua irmã do meio foi para um convento, e a mais nova ficou com a vossa avó.
Tinhas também um irmão, mas este faleceu apenas com um ano de idade.
Sabes ler e
escrever. Mas para ter essa educação, passaste uma infância sem amor de mãe.
Será talvez por isso que tanto amor dás aos teus filhos e netos, o amor que
nunca tiveste.
Já mais velha,
tiveste a oportunidade de te tornares uma professora no orfanato em que
passaste a infância e adolescência, mas recusaste. Talvez por não quereres
passar mais tempo naquele lugar. Foste viver com os teus padrinhos, mais tarde
casaste e tiveste quatro filhos.
Eu fui a tua
última neta a nascer. Sempre tive um enorme carinho por ti e lembro-me de todas
as vezes que estava doente, em casa, e esperava ansiosa pela tua companhia, que
me fazia esquecer logo o que me incomodava.
Agora já não te
lembras claramente de mim, mas quero agradecer-te por tudo e dizer que te adoro
daqui até á lua.
Da tua neta mais
nova,
Patrícia Alexandra Brás (Pereira) Santos.
Patrícia Santos, 10,Q