5.6.23

Olimpíadas da Cultura Clássica 2022/23 - 1.º Prémio!

 É com enorme orgulho que partilhamos o texto da nossa aluna Açucena Alijaj, do 10.ºI, e membro do Clube de Leitura e Escrita da ESRT, que ganhou o 1.º Prémio na modalidade de escrita (escalão C - secundário), nas Olimpíadas da Cultura Clássica 2022/23 - fruto da parceria entre a Rede de Bibliotecas Escolares, o Ministério da Educação e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 


Parabéns, Açucena! Excelente trabalho!



Game On, Sísifo

por Açucena Martins Tavares da Silva Alijaj, 10ºI


Toc-toc-toc - passos apressados…

Hermes, Hades e Zeus ligam sensor.

Clic! - acende-se, abrupto, um visor.

Plic-plic-plic - comandos ativados.

A luz materializa-se, os botões estão controlados.

Os deuses remexem-se, finalmente sentados.

O ecrã ilumina-se, mostra a tarefa.

O jogo começa, lançaram-se os dados.

Hermes, Hades e Zeus entreolham-se.

O espaço enquadra os tronos sagrados.

Faz-se silêncio, o jogo regressa.

Clic! – Queremos ação e temos pressa!

Game On, Sísifo: Estamos ligados.

 

Sísifo olha para o ecrã e inspira.

O penedo de mármore esmurra-lhe os dedos;

parece um novelo de medos e ira.

Sísifo e-x-p-i-r-a.

A pedra esfacela na subida.

Íngremes dores, esgares azedos,

o peso do medo e da vida torcida;

O respirar arfante, embrulha as discordâncias.

Falha o derreado antebraço,

cede o quadril, mostra descompasso.

Tem sede e fome, sente-se vil.

Vacila: pesam-lhe antigas manigâncias.

Os músculos tensos, gela-se-lhe o rosto.

Os pulmões ardem, contraídos pelo esforço.

O penedo lasca largando pó.

O olhar é baço, metendo dó.

O penedo sobe que sobe,

sobe com o medo.

Montanha acima, Sísifo treme.

Menos altivo, mais quebrantado,

joelhos tensos, olhar toldado.

O peso deixa-o transtornado.

Montanha acima, sem descanso,

como um relógio acelerado.

 

Sísifo empurra, Sísifo sobe, atordoado.

Hermes, sagaz, puxa um comando;

Hades sorri, um olhar brando.

Sísifo sobe descontrolado.

Tudo lhe foge, desconcentrado.

Impelido pela brisa que o envolve,

vareja-lhe as pernas, os braços assola,

o afinco insiste e o penedo rola.

Rola que rola, montanha acima,

novelo de quebranto e altivez que o engole.

A mente vagueia e Tanatos surge-lhe:

lembra-lhe o grilhão com que o prendeu.

Traz-lhe a mulher, Mérope, e a prole…

O pai, Éolo, que o vento move.

Lembranças de Corinto que nunca esqueceu.

Traz-lhe Ares e o sarcasmo dos Deuses.

Traz-lhe o marasmo que nunca o prendeu.

Lembra-lhe todos os que ofendeu e

pesam-lhe os cortes e as equimoses.

 

Não há trofeu no final da escalada,

Nem clamor de glória alada,

Nem ninfas, nem odes, tudo esmoreceu.

Rolará o novelo de pedra, bruscamente,

que no fundo da montanha desabará.

Para Sísifo o voltar a erguer, inalteradamente,

Retomando a subida que perdurará.

Os pulsos tremendo, o ombro enrijecido,

protege o rosto e o corpo dormentes.

Afaga o penedo, entorpecido.

O vento uiva tempestivamente.

Rola o novelo, rola que rola.

Novelo de pedra, de raiva e quebranto.

Castigo dos Deuses ultra prepotentes,

Que pressionam alavancas, botões, componentes…

 

Sísifo puxa e repuxa, força de rei;

Rei degradado, desterrado, sem manto,

que forçou o fado de ser um mortal.

Os Deuses observam e trocam esgares,

desprezam-no: um bruto com força braçal.

Sísifo puxa e repuxa o penedo.

Sonha acordado com o florir do corinto.

Procura a coragem no abismo do medo.

A pedra pesa, Sísifo expira. Ai, a ira!

Sísifo é forte, não se vê quebrado.

Empurra o penedo, a montanha gira

no seu olhar penumbrado.

“Liberte-se o vento nesta punição!

- Grita um Deus, encolerizado.

“Sísifo está fraco, corcovado,

vai destruir-se e acabar a exibição.

Temos de o manter motivado, senti-lo preso e desalinhado,

manter o absurdo desta privação.”

 

Sísifo ouve o rugido do metelmi.*

Perde-se o quebranto, surge a altivez.

Lembra-se de quando já teve ambição.

Puxa que puxa o penedo e sorri.

Éolo não lhe falhará, di-lo o coração.

Atinge o cume sem resignação.

Os ventos ajudam, convergem com manha.

Esquece os grilhões, castigo e tormento...

 larga o novelo, em catadupa.

O Vento apoia, com força bruta,

resvala o penedo, que simboliza “a luta”.

Rompe o absurdo, esfrangalha a rotina.

Desfaz-se em caos no sopé da montanha,

em seixos lascados pela adrenalina.

 

Os deuses primem e comprimem botões.

Soltam alarvidades e dão empurrões.

Gesticulam, gritam, desequilibrados.

Sísifo rompeu as regras - o jogo está parado.

“Como se atreve, é um vil mortal…” clamam os deuses do seu pedestal.

A luz desvanece…uma cor boreal.

Sísifo sorri e sai do ecrã.

Jogo acabado.

Game Over, Sísifo.

 

*“Metelmi” é um vento seco do Norte que ocorre de finais de maio a finais de setembro, principalmente no Mar Egeu e o Mediterrâneo oriental, mas está no seu ponto mais poderoso nos meses de verão de junho a agosto.


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